SÃO CARLOS/SP - Imagine eliminar uma infecção viral causada pelo SARS-CoV-2, sem medicamentos ou qualquer procedimento invasivo, utilizando apenas ondas acústicas. O procedimento seria rápido, indolor e seguro, bastaria ao paciente colocar um equipamento similar a um colar em seu pescoço, e em poucos minutos os vírus presentes em sua corrente sanguínea estariam neutralizados. Isso lembra muito os tratamentos médicos de filmes de ficção científica, como “Jornada nas Estrelas”, nos quais uma medicina avançada era capaz de curar doenças com equipamentos não invasivos. Até há pouco tempo, técnicas como estas estariam presentes apenas na ficção, mas um experimento realizado por cientistas da USP abre caminho para esse novo horizonte.
Pesquisadores da USP de São Carlos (Instituto de Física - IFSC/USP) e USP de Ribeirão Preto (Faculdade de Medicina / Faculdade de Ciências Farmacêuticas), desenvolveram um trabalho experimental realizado “in vitro”, que confirma, pela primeira vez, a hipótese matemática coordenada pelo cientista do MIT (Massachussets Institute of Technology), Tomasz Wierzbicki, a qual sugere que o ultrassom poderia ser utilizado para neutralizar o SARS-CoV-2. O experimento brasileiro demonstrou que esta hipótese é verdadeira, ou seja, o ultrassom de fato é capaz de entrar em ressonância com a proteína spyke presente na casca envoltória do vírus e quebrá-la, o que inativa o patógeno.
O docente e pesquisador do IFSC/USP, Prof. Odemir Bruno, co-autor do trabalho brasileiro, afirma que quando se deparou com esse trabalho teórico viu nele uma excelente alternativa para revolucionar o combate à pandemia do COVID-19 e de outras doenças causadas por vírus. Para tanto, estabeleceu uma parceria com a USP de Ribeirão Preto que permitiu que o experimento pudesse ser desenhado e realizado. A aposta dos pesquisadores foi testar inúmeros aparelhos de ultrassom cujas frequências pudessem penetrar a pele humana e encontrar “aquela” frequência que seria capaz de entrar em ressonância e quebrar o vírus - tal como a frequência única do som de uma corda de violino que é capaz de estilhaçar uma taça de cristal.
“Tivemos a sorte de encontrar um único equipamento hospitalar que emite essa exata frequência (5/10 MHz). Conseguimos demonstrar experimentalmente que a técnica funciona “in vitro” sendo muito eficaz na inativação do vírus e na redução drástica da carga viral. Vamos ter que realizar muitos procedimentos ainda para compreender melhor o fenômeno, mas o certo é que o ultrassom destrói o vírus e tem potencial para se tornar uma poderosa arma que a medicina poderá usar para combatê-lo”, afirma o pesquisador.
Odemir Bruno, juntamente com
cientistas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas e da Faculdade de Medicina da
USP de Ribeirão Preto, desenharam todo o experimento que obedeceu a logísticas
complicadas, sendo que o próximo passo é saber qual é precisamente o local da
“casca” do vírus que se rompe devido à ação do ultrassom e que vantagens - ou
desvantagens - existem para os pacientes com essa destruição. “O que sabemos
com precisão, neste momento, é que o vírus pode ser inativado por ultrassom e
através de aparelhos simples que já foram aprovados pela ANVISA e pelo FDA
(EUA).
Uma revolução fantástica
As pesquisas seguem com algum
cuidado para que os pesquisadores possam ter em mãos todas as informações
necessárias. Atualmente, experimentos “in vivo” com cobaias estão sendo conduzidos e, dependendo destes resultados,
poderão ser realizados experimentos clínicos em humanos. Muitos pormenores
terão que ser investigados e analisados, sendo que um deles é ver qual o tempo
que será necessário para aplicar o ultrassom nos pacientes e qual será a
intensidade e frequência para otimizar a ressonância que é capaz de destruir o
vírus. “Com a frequência e intensidade precisas, em poucos segundos o vírus
fica inativado na cadeia sanguínea”, enfatiza o Dr. Odemir Bruno. A estratégia
de aplicação do ultrassom, segundo o pesquisador, será bastante simples. “Por
exemplo, através de um colar, parecido com um colar cervical, que é colocado no
paciente. É a partir dele que o ultrassom irá funcionar, incidindo sua ação
durante determinado tempo em todas as principais artérias que passam pelo
pescoço”, explica o pesquisador. Um processo que se afigura sem dor, sem
invasão, sem contra-indicações e sem medicamentos.
Para o Prof. Odemir Bruno, este
método, que poderia ser administrado contra outros vírus ou doenças, tem
potencial para uma autêntica revolução na virologia. “O combate à pandemia
reuniu esforços de cientistas no mundo todo e nas mais diversas áreas de
conhecimento. O que se descobriu sobre virologia nos últimos três anos, devido
ao COVID-19, supera tudo aquilo que foi feito nessa área ao longo dos
Último meio século. Devemos ter muitas novidades na
medicina nos próximos anos”, conclui o pesquisador.
O Prof. Flavio Veras, co-autor do
trabalho e pesquisador da USP de Ribeirão Preto, complementa, afirmando
que, embora
ainda haja muito trabalho a ser realizado, o caminho para que o novo tratamento
chegue até os pacientes está traçado. "Tudo vai depender do sucesso da
próxima fase, que é verificar a evolução clínica das cobaias infectadas com o
COVID. Estamos realizando este
experimento atualmente. Precisamos saber até onde o ultrassom é capaz de
inativar o SARS-CoV-2, considerando a corrente sanguínea, o sistema
respiratório e em outros órgãos que podem ser afetados pela COVID-19. Após a
conclusão destes estágios, em caso de real sucesso da técnica, poderão ser
inicializados os testes clínicos com humanos. Mas, salientamos, ninguém deve tentar
utilizar o tratamento por ultrassom como terapia, já que é um trabalho científico
experimental,
em andamento,
e pode ser prejudicial e danoso. Somente após a conclusão dos estudos é
que terapias poderiam ser
recomendadas.", comenta o pesquisador. Os cientistas estão esperançosos e
trabalhando intensamente para que concluídas todas estas etapas, equipamentos
de tratamento clínico com ultrassom cheguem ao mercado e ajudem a salvar vidas.
Assinam este artigo científico os pesquisadores:
Flavio Veras, Ronaldo Martins, Eurico Arruda, Fernando Q. Cunha e Odemir M.
Bruno.