O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a chamar o
ex-presidente Michel Temer de “golpista” e afirmou que recebeu um país
“semidestruído” durante pronunciamento ao lado do presidente do Uruguai, Luis
Alberto Lacalle Pou, na quarta-feira, 25, em Montevidéu. No discurso, Lula disse
ainda que suas relações com chefes de Estado não têm viés “ideológico”.
“Hoje o Brasil tem 33 milhões pessoas passando fome.
Significa que quase tudo que fizemos de benefício social no meu país, em 13
anos de governo, foi destruído em seis anos, ou em sete anos, nos três do
golpista Michel Temer, e quatro, do governo Bolsonaro”, disse o petista depois
de lembrar as boas relações que o Brasil teve com o Uruguai ao longo dos
mandatos petistas.
Após a fala de Lula, ex-presidente Michel Temer rebateu a declaração em seu perfil no Twitter e disse que o petista mantém os “pés no palanque”, insiste em olhar para o “retrovisor” e tenta de “reescrever a história por meio de narrativas ideológicas”. Vice de Dilma Rousseff, o emedebista afirmou que o País não foi “vítima de golpe algum” durante o processo de impeachment da ex-presidente. “Foi na verdade aplicada a pena prevista para quem infringe a Constituição.”
Como mostrou o Estadão, Lula tem usado a primeira viagem
internacional de seu terceiro mandato para fazer acenos à base do PT e afagar
regimes autoritários da América Latina, mantendo discurso com tom eleitoral e
revanchista. Antes de ir ao Uruguai, o petista visitou a Argentina, onde
participou da cúpula da Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos
(Celac).
Na Argentina, o petista já havia classificado o impeachment
de Dilma Rousseff como um “golpe de Estado”. A ex-presidente sofreu impeachment
em 2016 por promover “pedaladas fiscais”, prática revelada pelo Estadão que
consiste em manobras contábeis feitas pelo Executivo para cumprir metas
fiscais.
A declaração de Lula foi contestada por juristas, uma vez
que o processo de afastamento está previsto na Constituição e foi referendado
pelo Congresso Nacional. Para Temer, “o Brasil não sofreu um golpe
institucional, foi sim ‘vítima’ de um Golpe de Sorte.”
No Uruguai, Lula disse ser preciso “trabalhar junto” para o
crescimento da região. Ele também reconheceu a necessidade de abrir mais o comércio
bilateral. “Não precisam pensar como eu sob o ponto de vista ideológico, não
precisam gostar de mim do ponto de vista pessoal”, declarou.
O petista fez novos acenos ao multilateralismo e reforçou
sua vontade de uma nova governança mundial. “Voltei à Presidência porque
acredito no multilateralismo e quero fortalecer o Mercosul, Unasul, Celac e
brigar por uma nova liderança mundial”, afirmou o presidente em Montevidéu.
“Quem sabe, não estaria havendo a guerra da Rússia e Ucrânia se a ONU tivesse
mais representatividade”, acrescentou. “Até hoje os Estados Unidos não
assinaram o Protocolo de Kyoto”, cobrou ainda o presidente.
O petista ainda prometeu discutir junto ao ministro de
Portos e Aeroportos, Márcio França, a possibilidade de transformar o aeroporto
de Rivera em aeroporto internacional. A construção de uma ponte entre os países
também foi citada. “Única mágoa que tenho do Uruguai foi a Copa do mundo de
1950. Mas já faz muito tempo”, brincou Lula, após dizer que espera mais
reuniões com Lacalle Pou.
Uruguai não pode perder tempo, diz Lacalle Pou
Lacalle Pou, por sua vez, declarou que a reunião com Lula
trouxe “otimismo”. Lacalle destacou que o encontro foi “produtivo” e mostrou
que o Uruguai “não pode perder tempo” nas suas negociações comerciais.
“A visão que o presidente trouxe com sua equipe me gerou
bastante otimismo. A questão é que o Uruguai não pode perder muito tempo. Temos
que levar pouco tempo para fazer essas coisas, por isso levo uma visão positiva
sobre essa reunião”, disse o presidente uruguaio.
Lula tenta frear as tratativas do Uruguai de negociar um
acordo comercial com a China e agora tenta emplacar a ideia de falar com Pequim
em bloco, por meio do Mercosul.
Ao citar a discussão que teve sobre a balança comercial com
o presidente brasileiro, Lacalle reiterou ser preciso fazer um trabalho
imediato. Apesar de diferenças ideológicas, o presidente disse que há boas
intenções em ambos os países, reiterando o tom amistoso do encontro.
Em um aceno ao mandatário uruguaio, Lula reconheceu que cada
presidente quer proteger os interesses de seu país, mas reiterou que entende
como necessário pensar em um desenvolvimento conjunto da América do Sul.
por Eduardo Gayer e Sofia Aguiar / ESTADÃO
Foto: Gastón Britos / EFE - 25/1/23