A jornalista Glória Maria morreu no Rio nesta quinta-feira
(2). “É com muita tristeza que anunciamos a morte de nossa colega, a jornalista
Glória Maria”, informou a TV Globo, em nota.
“Em 2019, Glória foi diagnosticada com um câncer de pulmão,
tratado com sucesso com imunoterapia. Sofreu metástase no cérebro, tratada em
cirurgia, também com êxito inicialmente”, prossegue o texto.
“Em meados do ano passado, Glória Maria começou uma nova
fase do tratamento para combater novas metástases cerebrais que, infelizmente,
deixou de fazer efeito nos últimos dias, e Glória morreu esta manhã, no
Hospital Copa Star, na Zona Sul do Rio.”
Pioneira
Glória foi pioneira inúmeras vezes. Foi a primeira a entrar
ao vivo no Jornal Nacional e inaugurou a era da alta definição da televisão
brasileira. Mostrou mais de 100 países em suas reportagens e protagonizou
momentos históricos.
“Eu sou uma pessoa movida pela curiosidade e pelo susto. Se
eu parar pra pensar racionalmente, não faço nada. Tenho que perder a
racionalidade pra ir, deixar a curiosidade e o medo me levarem, que aí eu faço
qualquer coisa.”
Vida e carreira
Glória Maria Matta da Silva nasceu no Rio de Janeiro. Filha
do alfaiate Cosme Braga da Silva e da dona de casa Edna Alves Matta, estudou em
colégios públicos e sempre se destacou. “Aprendi inglês, francês, latim e
vencia todos os concursos de redação da escola”, lembrou, ao Memória Globo.
Glória também chegou a conciliar os estudos na faculdade de
Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio) com o emprego de
telefonista da Embratel.
Em 1970, foi levada por uma amiga para ser radioescuta da
Globo do Rio. Em uma época sem internet, era ouvindo as frequências da polícia
que se descobria o que acontecia na cidade. Fazer uma ronda de telefone,
ligando para batalhões e delegacias, também era tarefa de um radioescuta.
Na Globo, tornou-se repórter numa época em que os jornalistas
ainda não apareciam no vídeo. A estreia como repórter foi em 1971, na cobertura
do desabamento do Elevado Paulo de Frontin, no Rio de Janeiro. “Quem me ensinou
tudo, a segurar o microfone, a falar, foi o Orlando Moreira, o primeiro
repórter cinematográfico com quem trabalhei”.
Glória Maria trabalhou no Jornal Hoje, no RJTV e no Bom Dia
Rio — coube a ela a primeira reportagem do matinal local, há 40 anos, sobre a
febre das corridas de rua.
No Jornal Nacional, foi a primeira repórter a aparecer ao
vivo. Cobriu a posse de Jimmy Carter em Washington e, no Brasil, durante o
período militar, entrevistou chefes de estado, como o ex-presidente João
Baptista Figueiredo.
“Foi quando ele [João Figueiredo] fez aquele discurso ‘eu
prendo e arrebento’ – para defender a abertura (1979). Na hora, o filme acabou
e não tínhamos conseguido gravar. Aí eu pedi: ‘Presidente, é a TV Globo, o
Jornal Nacional, será que o senhor poderia repetir? Problema seu, eu não vou
repetir’, disse Figueiredo. Onde ela chegava, o ex-presidente dizia para a
segurança: ‘Não deixa aquela neguinha chegar perto de mim’”, relembra.
Sucesso no Fantástico
A partir de 1986, a jornalista integrou a equipe do
Fantástico, do qual foi apresentadora de 1998 a 2007. Ficou conhecida pelas
matérias especiais e viagens a lugares exóticos, e por entrevistar celebridades
como Michael Jackson, Harrison Ford, Nicole Kidman, Leonardo Di Caprio e
Madonna.
Com a cantora, teve um encontro que ela define como
especial. “Eu saí daqui, e diziam que a Madonna era difícil. Foi
antipaticíssima com a Marília Gabriela e debochou do seu inglês”. Ao chegar,
Glória Maria foi informada de que tinha quatro minutos para entrevistar
Madonna.
A repórter conta que entrou em pânico. Mas, na hora, falou:
“Olha, Madonna, eu tenho quatro minutos, vou errar no inglês, estou assustada,
acho que já perdi os quatro minutos.” Para sua surpresa, a estrela virou-se
para a equipe técnica e disse: “Dê a ela o tempo que ela precisar.”
Para o Fantástico, a jornalista viajou por mais de 100
países, passando pela Europa, África e parte do Oriente, quando mostrou um
mundo novo ao telespectador.
Foi a repórter que entrou no ar ao vivo, na primeira matéria
a cores do Jornal Nacional, em 1977, mostrando o movimento de saída de carros
do Rio de Janeiro, em um fim de semana. Naquele dia, foram usados equipamentos
portáteis de geração de imagens.
Na primeira cena, a lâmpada queimou e a repórter passou seu
primeiro sufoco no ar.
“Eu estava dura, rígida, porque não podia errar. Era a
primeira entrada ao vivo. Faltavam cinco, dez minutos, era o técnico que ficava
com o fone para me dar o ‘vai’. Quando a lâmpada queimou, faltava um minuto
para a entrada ao vivo. O jeito foi acender a luz da Veraneio (carro usado pela
emissora nas reportagens).” O repórter cinematográfico e a repórter tiveram que
ficar de joelhos, com o farol no rosto de Glória Maria, e a matéria entrou no
ar.
A jornalista cobriu a guerra das Malvinas (1982), a invasão
da embaixada brasileira do Peru por um grupo terrorista (1996), os Jogos
Olímpicos de Atlanta (1996) e a Copa do Mundo na França (1998).
Primeira transmissão em HD
Em 2007, ao lado do repórter cinematográfico Lúcio
Rodrigues, a jornalista realizou a primeira transmissão em HD da televisão
brasileira. Foi uma reportagem no Fantástico sobre a festa do pequi, fruta de
cor amarela adorada pelos índios Kamaiurás, no Alto Xingu.
Volta ao mundo no Globo Repórter
Após 10 anos no Fantástico, Glória Maria tirou dois anos de
licença para se dedicar a projetos pessoais, como as viagens à Índia e à
Nigéria, onde trabalhou como voluntária. Nesse período, adotou as meninas Maria
e Laura e, ao retornar à Globo, em 2010, pediu para integrar a equipe do Globo
Repórter, programa do qual faz parte até hoje.
Estreou com a matéria “Brunei Darussalam: A Morada da Paz”;
um ano depois fez “Brunei, O País da Felicidade” – as duas matérias sobre o
pequeno sultanato no Sudeste Asiático, na fronteira com a Malásia.
Em 2010, esteve no Grand Canyon, nos Estados Unidos, quando
andou de balão e desceu de bote o Rio Colorado. No mesmo ano fez Duas Chinas,
também para o Globo Repórter, e apresentou ainda o especial de Roberto Carlos
na Praia de Copacabana.
Glória foi escolhida pelo Rei para a entrevista que concedeu
em sua residência e na qual ele acabou cantando para ela. Em 2011, apresentou o
show que o cantor fez em Jerusalém. Na ocasião, Roberto Carlos tirou a
apresentadora para dançar.
Em 2012, a jornalista mostrou o Oásis da paz em Omã e fez um
passeio com camelos pelo deserto. Logo depois, passou por Dubai.
A França foi um dos países visitados em 2013. Na ocasião,
foram exibidas as belezas do Vale do Loire, Champagne e Provence. No mesmo ano,
revelou a cultura e os costumes dos moradores do Vietnã, Laos e Camboja. Passou
também por Myanmar, no sul da Ásia, onde fez reportagens sobre o misticismo na
região.
As paisagens do Reino Unido, Suécia e Lapônia foram temas do
Globo Repórter em 2014.
No ano seguinte, a jornalista mostrou as belezas de
Marrocos, como a cidade azul, Marrakesh, os encantadores de serpente e a
colheita do argan feita pelas cabras. Cruzou o deserto do Saara em um
dromedário e mostrou a vida dos povos nômades.
Em 2016, visitou a Jamaica, onde teve a oportunidade de
entrevistar o campeão mundial de atletismo Usain Bolt e participou dos rituais
de uma comunidade rastafári.
Em 2017, Glória Maria foi à China e fez matérias em Hong
Kong, onde cuidou de um panda gigante, e pulou do mais alto bungee-jump do
mundo em Macau, com 233 metros de altura.
Em setembro de 2019, Sérgio Chapelin se aposentou, após 23 anos no Globo Repórter. A partir daquele mês, Glória Maria passou a dividir o programa com a jornalista Sandra Annenberg.
Glória Maria — Foto: Globo Repórter