Numa iniciativa conjunta de todas as Comissões de Inclusão e Pertencimento do Campus USP de São Carlos e com o incondicional apoio dado pelas diretorias das Unidades aí sediadas, realizou-se no dia 21 do corrente mês nas instalações do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC/USP, a iniciativa “Letramento Racial”, com a participação de Lucas Módolo, consultor em Relações Raciais com foco no tema das bancas de hereoidentificação e na modelagem de programas de diversidade e de ações afirmativas pelo Estado e pelo mundo corporativo. Com uma rica experiência em ações afirmativas, Módolo percorre essa ação tanto do ponto de vista para o entendimento da motivação das escolhas feitas através dos critérios que a USP e a legislação brasileira adotam para as cotas, como no processo antifraude que se deve instituir para garantir que haja justiça em todo o processo.
Através de uma palestra seguida de uma oficina, ambas repetidas nos dois períodos do dia, esta ação foi pensada tendo em consideração o momento importante pelo qual a Universidade passa, ao decidir discutir e adotar, também, as ações afirmativas no que concerne aos concursos para admissão de servidores técnicos administrativos e docentes. A reserva de 20% das vagas será aplicada para os concursos com abertura de três vagas ou mais. Para as seleções com uma ou duas vagas, os candidatos pretos, pardos ou indígenas receberão pontuação diferenciada a partir da regulamentação estadual.
Bancas de heteroidentificação
O que a USP prevê, tanto nos processos de ingresso na graduação, como agora no ingresso de servidores não docentes e docentes, é a realização de um procedimento dividido em duas etapas. A primeira, diz respeito a uma autodeclaração, onde o candidato se autodeclara preto ou pardo, seguindo-se a realização de uma banca de heteroidentificação que, na prática, valida a etapa anterior e garante o acesso às vagas reservadas ou à pontuação diferenciada a que faça jus. A Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento da USP tem já em curso uma iniciativa, em formato virtual, de formação das pessoas que pretendam fazer parte dessas bancas, só que as Comissões de Inclusão e Pertencimento do Campus da USP de São Carlos entenderam que essa iniciativa de formação deveria ser presencial, pela necessidade de se poder abranger o maior número de pessoas interessadas em se candidatar a compor as citadas bancas de heteroidentificação. Foi baseada nesses pressupostos que se promoveu a iniciativa “Letramento Racial”, cujos resultados foram extremamente positivos, conforme explica o Prof. Fernando Paiva, Presidente da Comissão de Inclusão e Pertencimento do IFSC/USP.
“Lucas Módolo é um profissional da área de Direito, formado pela Faculdade de Direito da USP, que desde há algum tempo tenta entender a modelagem de programa de ações afirmativas e a consequente existência de fraudes na experiência brasileira de implementação da política de cotas raciais. Foram, como citado acima, uma palestra seguida de uma oficina, repetidas nos dois períodos do dia, onde os participantes tiveram a oportunidade de aprender sobre temas relacionados ao racismo no Brasil, que dão origem à desigualdade racial encontrada em diferentes espaços da sociedade, inclusive na universidade. Além disso, aprenderam sobre questões técnicas que nortearam as escolhas da USP no que se refere aos critérios adotados. As oficinas foram constituídas por simulações de bancas de heteroidentificação, incluindo questões protocolares, como, por exemplo, a recepção e abordagem feitas ao candidato, e questões mais técnicas acerca do processo de heteroidentificação propriamente dito”, pontua Paiva.
Desequilibrio racial
A USP tem vindo a sofrer um forte desequilibrio racial, cuja origem reside na própria sociedade. Fernando Paiva sublinha que a lei de cotas veio com base nessa análise sociológica e histórica, que evoluiu para uma desigualdade muito acentuada, inclusive em termos de condições, sendo que o reflexo disso se evidenciou antes da instituição dessa política. “Anteriormente - e ainda hoje isso se verifica, embora com menos intensidade - no ingresso na graduação, a Universidade tinha essencialmente um conjunto de alunos brancos. Essa disparidade é de certa forma estranha, particularmente quando consideramos que a população brasileira possui considerável percentual de pessoas pretas ou pardas. Quando isso não se enxerga na Universidade, você começa a perceber que tem algo errado. Não diferente é a situação quando consideramos servidores e docentes da USP”, observa o Prof. Fernando Paiva.
A partir deste ano, a USP toma uma decisão importante ao indicar que os concursos passam a ser regidos pela nova regra, ou seja, dando a oportunidade das pessoas se autodeclarem pretos, pardos ou indígenas, com o intuito detendo acesso às vagas ou bonificações previstas na resolução aprovada pelo Conselho Universitário. As bancas de heteroidentificação, que deverão ser o mais heterogéneas possível em termos de representação racial, de gênero e nível de formação, assumem um papel crucial neste processo que visa reparar uma questão histórica que culmina em uma inadequada representação racial na Universidade, em todos os seus campi.
O Prof. Fernando Paiva faz questão de agradecer ao ICMC/USP pela disponibilização de suas infraestruturas que serviram de base para a realização da iniciativa “Letramento Racial”.