O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta quarta-feira, 20, o julgamento histórico que pode derrubar a tese do marco temporal, que diz que povos indígenas só podem reivindicar terras que ocupavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. O placar está cinco a dois contra a tese. A votação segue hoje.

O relator do caso, Edson Fachin, se pronunciou contra o marco temporal, assim como os ministros Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli. Os cinco entendem que o direito das comunidades a territórios que tradicionalmente ocupavam não depende de uma data fixa. Os ministros Nunes Marques e André Mendonça votaram a favor da tese.

O julgamento entrou hoje na décima sessão. Toffoli foi o único a votar nesta quarta e defendeu que as demarcações dependem de um vínculo comprovado com o território, mas que esse vínculo não está, necessariamente, na data de promulgação da Constituição.

“É uma controvérsia que é julgada, se nós formos olhar pelo olhar da História, pelos invasores. Nós estamos aqui a julgar a pacificação de uma situação histórica. Nós estamos julgando o destino dos povos originários do nosso País”, defendeu o ministro.

Manifestações de grupos indígenas e apoiadores ocorrem em todo o País. Lideranças acompanham o julgamento no plenário do STF e também em um telão montado em frente ao tribunal. Esses grupos afirmam que o marco temporal dificultaria a demarcações, porque muitas comunidades foram tiradas de seus territórios por ações do regime militar e de grilheiros, entre outros.

Em paralelo, o Senado Federal se articula para acelerar a votação do tema para se contrapor ao julgamento no STF. O texto, que poderia transformar o marco temporal em lei, já foi aprovado na Câmara dos Deputados e está na pauta da Comissão de Constituição e Justiça da Casa. A previsão é que o relator, senador Marcos Rogério (PL-RO), que emitiu parecer favorável ao tema, leia o relatório e o submeta a votação também nesta quarta, 20. A proposta de lei que está nas mãos do Senado.


O que é o marco temporal?

A tese do marco temporal é uma proposta de interpretação do artigo 231 da Constituição Federal que afirma: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

A tese defende uma espécie de linha de corte, entendendo que uma terra indígena só poderia ser demarcada com uma comprovação de que a comunidade estava no local requerido na data da promulgação da Constituição, ou seja, no dia 5 de outubro de 1988.

Essa proposta recebeu atenção em 2009 ao aparecer no julgamento do STF a respeito da demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Na época, o entendimento foi o local poderia ser demarcado porque a comunidade indígena estava instalada no local no 5 de outubro de 1988. No entanto, essa decisão favorável abriu caminho para o uso da tese contra o interesse de povos indígenas que não estivessem em suas terras nessa data.

Segundo ambientalistas e defensores dos povos indígenas, a aprovação da tese poderia mudar o curso de pelo menos 303 pedidos em andamento, ou seja, que estão em alguma fase do processo de demarcação, sem que esse tenha sido concluído. Essas terras somam 11 milhões de hectares (equivalente a 1,30% do território brasileiro), onde vivem cerca de 197 mil indígenas (0,20% da população do País).

De acordo com monitoramento do Instituto Socioambiental (ISA) com base em publicações feitas no Diário Oficial da União, o Brasil tem 421 terras indígenas devidamente homologadas, que somam 106,6 milhões de hectares e onde vivem cerca de 466 mil indígenas.


O andamento do marco temporal no STF

O Supremo julga a constitucionalidade da tese do marco temporal a partir de um caso específico que diz respeito a uma ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng. Eles requerem a demarcação da terra indígena Ibirama-Laklanõ, onde também vivem indígenas das etnias Guarani e Kaingang. O STF iniciou a análise do caso em agosto de 2021, mas foi interrompido por um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes, na época.

Ele voltou à pauta em agosto, mas foi suspenso no dia 31, depois do voto do ministro Roberto Barroso. Hoje ele volta à pauta com uma predominância da posição contrária ao marco. No entanto, os quatro ministros que votaram contra divergem no que diz respeito à indenização.

Em seu voto, Moraes defendeu que a União deve pagar uma indenização a fazendeiros que tenham ocupado os territórios de povos originários de boa-fé. Atualmente, já se prevê um pagamento pelas benfeitorias realizadas no local, mas o ministro defendeu que ele seja feito também pela terra em si e que seja prévio — assim, a indenização passaria a ser uma condicionante para a própria demarcação. As duas posições do ministro não estavam presentes no voto original do relator, Fachin.

Cristiano Zanin concordou parcialmente, mas definiu que a indenização não deveria ficar restrita à União, podendo ser paga também por estados e municípios. Além disso, opinou que o dever de indenizar não deveria interferir no procedimento de demarcação.

Já Luís Roberto Barroso chegou a discutir com Moraes na véspera do seu voto, sobre a questão da indenização. Em sua tese, disse que ela não pode impossibilitar a demarcação de uma terra indígena.



por Rubens Anater e Rayssa Motta / ESTADÃO

  FOTO: Nelson Jr/STF

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