Um dos pilares mais importantes na formação do ser humano é a mimética, que é a capacidade que temos de imitar. É imitando que aprendemos a andar, a falar, a viver em sociedade. Mas as redes sociais ressiginificaram a mimética, que ampliou nossa percepção da realidade na velocidade dos bits e bytes. Isso resulta na formação de opinião de grandes massas, que se alimentam de informações que consomem online. Não é por acaso que o termo “meme” deriva justamente de mimética.

A nova direita, que se ergueu no mundo ancorada em um modelo antissistema, percebeu rapidamente que as redes eram o canal mais adequado para difundir suas ideias. Enquanto parte do mundo seguia ainda as vozes tradicionais do debate público, esse espectro político navegava praticamente sozinho, internacionalmente, nos mares da internet. Quando se mostrou como força popular, surpreendeu os mais desatentos, que andavam desligados do complexo movimento dos ambientes digitais.

Eventos como a saída do Reino Unido da União Europeia por voto popular, a eleição de Donald Trump e de Jair Bolsonaro, se focaram amplamente na linguagem digital e na propagação de memes ideológicos. A esquerda acordou tarde, demorou a se organizar nas redes, mas, após o susto inicial, se fortaleceu – até mesmo porque se tornou uma antítese das forças dessa direita que crescia. O centro, fora da polarização, foi esmagado e perdeu espaço no ambiente fluido, onde ganha quem tem a melhor capacidade de pautar a sociedade e moldar ideias.

As eleições brasileiras de 2022 também foram um caso impressionante de mimética. Os discursos eram uníssonos. Diante de um problema, esquerda e direita testavam narrativas e a que gerava mais engajamento era a que passava a ser replicada massivamente, a ponto de pessoas de classes sociais, faixa etária e localização distintas publicarem argumentos exatamente iguais.

Após as eleições, com a derrota de Bolsonaro e o posterior silêncio dele perante as redes, a mimética conservadora ficou prejudicada. A imensa bolha que ele inspirava passou a ter que interpretar sinais, ou a ausência deles, e a comunicação se tornou difusa.

Mas, nas últimas semanas, os conservadores voltaram a se reunir em torno de um tema. Eles começaram um forte movimento contra o atual governo e passaram a falar a mesma linguagem, direcionando as massas de apoiadores para as ruas. A data escolhida: 15 de novembro. Vídeos e cards nas redes, convocando a direita para se manifestar no Dia da Proclamação da República, estão viralizando no Twitter, TikTok, YouTube, Facebook e grupos de WhatsApp.

As cores, a forma, o discurso, a ideia de apropriação dos símbolos da pátria e a própria difusão do patriotismo seguem a mesma lógica estratégica que levou Bolsonaro à Presidência. Mas, desta vez, o ex-presidente é pouco mencionado. O foco é o #ForaLula, o que deixa em aberto a possibilidade de adesão dessa direita a uma nova liderança, apesar de não haver ainda nomes listados na narrativa que se levanta agora e clama a volta das manifestações populares que marcaram o governo anterior.

Enquanto a direita se esforça para tentar se reunir novamente, a esquerda se fragmenta. Adeptos do lulismo passaram a criticar a gestão petista, por não atender as demandas ideológicas mais pragmáticas dos perfis que alimentaram a guerra da polarização de uma forma mais radical, mas que foram um braço importante na comunicação eleitoral da esquerda. Um fogo amigo que abre um ruído na mimética necessária para formar a opinião a respeito dos feitos positivos do governo e para defender a gestão de eventuais ataques. Um movimento que chama a atenção, sobretudo às vésperas de um ano eleitoral.

 

 

por Sergio Denicoli / ESTADÃO

Foto: PEDRO KIRILOS/ESTADÃO

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