O tamanho da ajuda federal ao Rio Grande do Sul ainda é uma incógnita diante do fato de que a tragédia está em andamento. Municípios inteiros seguem debaixo d'água, inviabilizando a mensuração dos prejuízos, e a perspectiva de novas chuvas na região desperta o temor de que a crise se estenda.

Bases de dados do próprio estado estão fora do ar e dificultam o trabalho de pesquisadores locais que receberam a tarefa de tentar calcular o estrago para a economia gaúcha.

O Executivo federal também enfrenta obstáculos para mapear as necessidades diante da prioridade máxima dos órgãos locais em resgatar quem segue ilhado.

Uma das frentes de trabalho é estruturar a busca de famílias que não estão no Cadastro Único, mas muito provavelmente se tornarão público-alvo do Bolsa Família após perder emprego, renda e bens materiais.

Os desafios são variados. Faltam dados, equipamentos públicos foram inundados, e as famílias que podem vir a receber o benefício tiveram seus documentos carregados pela água.

Nas reuniões virtuais convocadas pelo governo federal para discutir o plano de ação nessa área, a fala dos assistentes sociais gaúchos é frequentemente interrompida pelo choro diante de uma tragédia da qual, não raro, também são vítimas.

A ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) viajou ao Rio Grande do Sul nesta quarta-feira (8) e disse que "não há limite para os gastos públicos que forem necessários" para combater a calamidade e reconstruir o estado.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) propôs e o Congresso aprovou um decreto de calamidade para facilitar a liberação de verbas. Há a expectativa de lançamento de medidas nos próximos dias, com linhas de crédito subsidiadas para empresas e famílias, suspensão da dívida do estado com a União e repasses.

No Ministério da Fazenda, há uma preocupação em desenhar políticas focalizadas e demonstrar que a calamidade gaúcha não será usada como oportunidade para gastar mais e de forma generalizada –uma desconfiança que já se instalou no mercado financeiro.

O problema é que ninguém consegue, neste momento, estimar o tamanho do prejuízo nem qual pode ser a necessidade de ajuda da União ao estado e às prefeituras.

A CNM (Confederação Nacional dos Municípios) divulgou na terça-feira (7) um primeiro levantamento indicando estragos de R$ 4,6 bilhões nos setores público e privado. Um dia depois, o valor foi atualizado a R$ 6,3 bilhões e deve subir ainda mais.

"É muito difícil fazer qualquer afirmação neste momento [sobre estimativas]", diz Claudio Frischtak, ex-economista do Banco Mundial e presidente da Inter.B, consultoria especializada em infraestrutura. Porém, ele propõe um exercício que pode dar uma dimensão do problema.

O estoque de capital em infraestrutura no Brasil equivale hoje a 36% do PIB (Produto Interno Bruto). Traçando um paralelo com a participação do Rio Grande do Sul na economia nacional e na população, ele assume que o território gaúcho reúne 5% desse estoque –ou cerca de 1,9% do PIB.

Se metade disso tiver sofrido danos severos, o prejuízo poderia ficar entre R$ 90 bilhões e R$ 100 bilhões.

"É [uma conta] preliminar? É. Mas já começa a dar uma ideia do tamanho do buraco. Porque isso não inclui infraestrutura social [como escolas e hospitais]. Não inclui a infraestrutura urbana [vias dentro da cidade]. Nisso não está incluído a casa das pessoas, as fábricas. Vai ser muito mais baixo isso? Não vejo. Pode ser muito mais alto? Sim", diz Frischtak.

Integrantes da equipe do ministro Fernando Haddad (Fazenda) veem as cifras com certo ceticismo e avaliam que o custo não chegará a um décimo da estimativa.

O economista da ASA Investments Jeferson Bittencourt, que foi secretário do Tesouro Nacional entre abril e outubro de 2021 –durante a pandemia de Covid-19–, diz que é possível traçar paralelo, apesar das naturezas distintas das tragédias.

"Primeiro o governo tenta conter o dano, dando liquidez. Antecipa recursos a que as pessoas já têm direito, como 13º, restituição do Imposto de Renda, abono salarial. Faz empréstimos. Depois ele percebe que tem uma questão de solvência, das prefeituras, das empresas, das famílias. Aí o governo vai tendo que transferir dinheiro novo", diz Bittencourt.

O governo já começou a antecipar benefícios e liberou o saque do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço). São R$ 2,9 bilhões em medidas de alívio aos trabalhadores. Na assistência, as antecipações e a injeção de verba extra devem somar outro R$ 1,3 bilhão.

Para Bittencourt, a principal fonte de dúvida hoje é o valor necessário para reconstruir hospitais, unidades de saúde, escolas, entre outros. "Tem muita coisa submersa", diz. Ele cita como possibilidade um custo de R$ 20 bilhões nessa frente.

A suspensão da dívida do estado com a União deve custar entre R$ 3 bilhões e R$ 4 bilhões. O ex-secretário ainda vê possíveis demandas de até R$ 9 bilhões para o compensar a arrecadação perdida pelo estado com a paralisação de empresas e até R$ 15 bilhões caso o governo federal decida pagar auxílios às famílias.

O total poderia ficar perto de R$ 50 bilhões. Bittencourt diz que o crítico neste momento é evitar que outros estados ou setores peguem carona nas flexibilizações de políticas.


COMO DEVE SER A AJUDA AO RIO GRANDE DO SUL

  • Medidas em fase de elaboração:
  • Linha de crédito subsidiada para famílias e empresas dos municípios gaúchos em calamidade
  • Suspensão da dívida do governo do Rio Grande do Sul com a União


Repasse extra de recursos em diversas frentes e Medidas já anunciadas ou implementadas:

  • Decreto legislativo reconhecendo calamidade em decorrência das enchentes, para facilitar a liberação de verbas fora das regras fiscais
  • Adiamento do CNU (Concurso Nacional Unificado) e de ao menos 17 outros processos seletivos do setor público
  • Prazo maior, até 31 de agosto, para enviar declaração do Imposto de Renda
  • Saque emergencial do FGTS, limitado a R$ 6.220 por conta vinculada (conforme saldo disponível)
  • Pagamento de duas parcelas extras do seguro-desemprego
  • Antecipação do abono salarial
  • Antecipação de benefícios previdenciários do INSS, pensões e BPC (Benefício de Prestação Continuada)
  • Quebra do escalonamento do calendário do Bolsa Família (todas as famílias poderão sacar o dinheiro no primeiro dia de pagamento, 17 de maio)
  • Suspensão temporária do recolhimento de tributos federais devidos por médias e grandes empresas, do recolhimento mensal de MEIs (microempreendedores individuais) e de companhias do Simples Nacional e da contribuição dos empregadores ao FGTS (o pagamento será cobrado em meses posteriores)
  • Suspensão temporária da cobrança de dívidas com Banco Central e PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional)
  • Pausa de até três meses no financiamento habitacional com a Caixa
  • Pausa em financiamentos com bancos públicos e privados e renegociação de dívidas



POR FOLHAPRESS

 foto: © Getty

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