Depois de quase nove anos com o caso suspenso, o STF
(Supremo Tribunal Federal) decidiu não julgar o caso do uso de banheiros por
pessoas trans. O caso começou a ser analisado em 2015, quando teve dois votos e
pedido de vista do ministro Luiz Fux.
Na sessão desta quinta-feira (6), o colegiado discutiu
questões processuais e entendeu que o caso em questão não aborda tema
constitucional. Portanto, não cabe ao Supremo julgá-lo.
Por 8 votos contra 3, o plenário também cancelou a decisão
que havia dado repercussão geral ao recurso
Quando o tribunal define que um caso tem repercussão geral,
a decisão vale para todos os semelhantes. Ao menos sete ações estavam suspensas
à espera da decisão do STF. Agora, cada uma delas volta a tramitar
individualmente.
O recurso em discussão no STF começou a ser julgado em
novembro de 2015. Na ocasião, o relator, ministro Luís Roberto Barroso, afirmou
que as pessoas transexuais são uma das minorias mais marginalizadas e
estigmatizadas da sociedade. Ele citou dados segundo os quais o Brasil é o
líder mundial de violência contra esse grupo.
Barroso sugeriu a para a repercussão geral: "As pessoas
transexuais têm direito a serem tratadas socialmente de acordo com a sua
identidade de gênero, inclusive na utilização de banheiros de acesso
público". Ele foi acompanhado por Luiz Edson Fachin.
Na sequência, Fux pediu vista. Na retomada do julgamento,
ele abriu a divergência por uma questão processual, sem analisar o mérito.
Segundo o ministro, o processo não inclui um questionamento
constitucional e, assim, o STF não pode analisar o caso.
Fux foi acompanhado pelos ministros Flávio Dino, Cristiano
Zanin, André Mendonça, Kassio Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli
e Gilmar Mendes. Ficaram vencidos Barroso, Fachin e Cármen Lúcia.
O ministro começou o voto lembrando os votos favoráveis que
deu à proteção da população LGBTQIA+, como nos casos da união homoafetiva ou da
possibilidade de alteração do registro civil sem a necessidade de cirurgia de
redesignação sexual. "Sempre reconheci o direito de ser e de existir na
sua plenitude", disse.
No entanto, no entendimento dele, o caso em discussão não
poderia ser julgado pelo STF.
"É muito legitima e louvável a preocupação com as
comunidades vulneráveis, que têm seus direitos violados diuturnamente. E este
Supremo tem algum papel a desempenhar no sentido de que o Estado brasileiro
desempenhe essa proteção. Mas a relevância social por si só não pode conduzir
ao abandono dos limites impostos pela sistemática judicial", disse.
Ao acompanhar, Flávio Dino afirmou que a sentença se baseia
apenas no Código de Defesa do Consumidor. "Temos que ser coerentes na
nossa jurisprudência e às vezes reconhecer os limites das nossas competências.
O STF pode muito, mas não pode tudo", disse.
Ele afirmou ainda que geralmente os casos relacionados à
proteção da população LGBTQIA+ chegam ao STF em ações de outro tipo, e não
referentes a recursos em casos concretos. "Não podemos julgar matéria sem
questão pré-questionada e subconstitucional. Nós julgamos assim todos os dias.
Hoje mesmo dei cerca de 100 decisões nesse sentido", afirmou o ministro.
Barroso e Fachin argumentaram que, na visão deles, havia
questão constitucional clara evidente. "Quando sustentamos uma incidência
de princípios a tutelar a dignidade humana, estamos falando de valores
insculpidos na Constituição Federal. Portanto, parece-me inequivocamente
presente não apenas uma questão constitucional, como o acerto da decisão que
reconheceu a repercussão geral", disse Fachin.
Há, na corte outro processo que aborda tema semelhante em
tramitação. Uma ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental), um
dos tipos de ações que o plenário considera adequada para tratar a questão. A
ADPF 1169 foi apresentada pela Antra (Associação Nacional de Travestis e
Transexuais) em 29 de maio deste ano e distribuída à ministra Cármen Lúcia.
A ação recusada nesta quinta foi movida por Amanda dos
Santos Fialho, uma mulher trans que foi impedida de ir ao banheiro feminino no
Beiramar Shopping, de Florianópolis. Seguida por seguranças, ela tentou usar
banheiros de lojas, em vão. Não conseguiu se segurar e fez suas necessidades na
própria roupa. Depois disso, ainda teve que usar transporte público para voltar
para casa.
Amanda foi à Justiça e ganhou uma ação de indenização de R$
15 mil contra o Beiramar. Mas foi derrotada em segunda instância, que entendeu
não haver dano moral, mas apenas um incômodo.
POR FOLHAPRESS
FOTO: © Reuters