Três integrantes do grupo Interfaces - Núcleo de Estudos Sociopolíticos dos Algoritmos e da Inteligência Artificial, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), liderado pela professora Sylvia Iasulaitis, do Departamento de Ciências Sociais (DCSo), publicaram um artigo na revista Vaccine (https://bit.ly/4bI7dwn), a mais conceituada mundialmente sobre o tema.
O trabalho, intitulado "Analysis of causal relations between vaccine hesitancy for COVID-19 vaccines and ideological orientations in Brazil", foi desenvolvido por Sylvia Iasulaitis, pelo professor Eanes Torres Pereira, da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), e por Bruno Cardoso Grecco, aluno do curso de Biblioteconomia e Ciência da Informação da UFSCar e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) com orientação de Iasulaitis. Todos integram o Interfaces.
O trabalho analisa um conjunto de dados obtidos por meio de questionários de uma pesquisa de opinião pública, que foram aplicados no ano de 2021, tão logo as vacinas contra Covid-19 foram disponibilizadas no Brasil. O público foram cidadãos de todo o território nacional, a partir de 16 anos. A partir dos dados de 2.002 respondentes, foram investigadas, utilizando-se abordagens de Ciências Sociais e algoritmos de Inteligência Artificial (IA), as principais variáveis que poderiam afetar a aceitação em receber o imunizante - a exemplo de preferências políticas, faixa etária, escolaridade, faixa salarial, região do País, gênero, crença em fake news, confiança e intenção de se vacinar contra a Covid-19.
Entre os resultados apresentados no artigo, estão: quanto mais avançada a idade, maior a probabilidade de se considerar a vacina segura e, consequentemente, de se vacinar; as crenças religiosas apresentam efeito causal simultâneo em preferências políticas e na percepção de segurança da vacina; e a probabilidade de uma pessoa aceitar a vacinação contra Covid-19 é reduzida dado o fato dela acreditar em fake news relacionadas ao tema.
"O que mais surpreendeu foram os achados empíricos sobre a influência causal das fake news e das convicções religiosas e ideológicas na hesitação vacinal", comenta a pesquisadora da UFSCar. "O fenômeno da desinformação na área da saúde não é recente, e tende a ocorrer com mais frequência em casos de doenças graves, uma vez que é um fator de ansiedade para a maior parte da população, que possui pouco conhecimento sobre a área. Não obstante, seu efeito causal ainda tem sido muito pouco estudado, então o artigo contribui com a compreensão do fenômeno".
Segundo Iasulaitis, o modelo desenvolvido nessa pesquisa poderá ser utilizado por órgãos governamentais ou entidades da área de saúde para auxiliar na tomada de decisão quanto à redução da hesitação vacinal ou aumento da adesão da população a campanhas de vacinação. "Utilizando esse modelo, as entidades responsáveis por campanhas de vacinação poderão decidir onde os esforços devem ser aplicados para gerar os resultados de vacinação de modo mais eficiente. A metodologia aplicada nesta pesquisa pode ser replicada para populações de outros países para que seja possível gerar modelos personalizados".
A ideia do estudo surgiu devido à rejeição da vacina por uma parcela da população brasileira tão logo a vacina foi disponibilizada no Brasil, relata a professora da UFSCar. "Pretendeu-se avaliar os fatores de influência para aceitação ou rejeição da vacina, tais como: (1) Características socioeconômicas: renda pessoal, renda familiar, idade, faixa etária, sexo, alfabetização, escolaridade, região e religião; (2) Preferências político-ideológicas, avaliadas a partir da intenção de voto em presidenciáveis do pleito de 2022, da opinião sobre o governo federal e da confiança expressa no então presidente Jair Bolsonaro; e (3) Opiniões sobre a segurança da vacina e percepções a respeito de fake news que foram disseminadas sobre a vacina contra Covid-19". Para avaliar este terceiro conjunto de fatores, foi investigada, no questionário, a concordância/discordância em relação a perguntas baseadas em fake news: "existem tratamentos mais eficientes do que a vacina (o kit covid, por exemplo)?"; "A vacina altera o DNA das pessoas?"; "A vacina implanta microchip nas pessoas?"; "A vacina provoca câncer, autismo e/ou HIV?" e, por fim, "A vacina é feita com células de fetos abortados e tumores?".
Resultados
A seguir, a professora Sylvia Iasulaitis detalha alguns resultados obtidos na pesquisa:
- Quanto mais avançada a idade, maior a probabilidade de se considerar a vacina segura e, consequentemente, de se vacinar: "Nosso estudo demonstrou que considerar a vacina segura ou não também era uma variável afetada diretamente pela faixa etária. Quanto mais avançada a idade, maior a probabilidade de se considerar a vacina segura e, consequentemente, de se vacinar. Este achado condiz com o fato de que a severidade do Covid-19 é maior em idosos e pessoas com comorbidades. A vulnerabilidade a condições que levavam a óbito também eram (e são) maiores em idosos. De acordo com a Organização Mundial de Saúde e a Organização Panamericana da Saúde, entre pacientes com idade acima de 60 anos é comum a presença de doenças pulmonares crônicas, doenças renais crônicas, diabetes mellitus, doenças hepáticas crônicas, obesidade e quadros de imunossupressão. Estas são comorbidades que podem elevar o risco de complicações do Covid-19. Dados da Fundação Oswaldo Cruz dão conta de que a população idosa é maioria em casos de óbito por Covid-19 no Brasil, evidência que leva à compreensão da importância assumida pela variável idade na explicação causal da vacinação de Covid-19 no Brasil".
- As crenças religiosas apresentam efeito causal simultâneo em preferências políticas e na percepção de segurança da vacina: "A variável religião demonstrou grande importância no modelo, pelo fato de apresentar efeito causal simultâneo em preferências políticas e na percepção de segurança da vacina. Tornou-se evidente a associação causal entre religião evangélica e voto no candidato de ultra direita e conservador Jair Bolsonaro. Portanto, nesse estudo verificou-se a associação entre preferências políticas e religiosas. Foi possível identificar, ainda, que os evangélicos conservadores possuíam no momento da investigação menor probabilidade de se vacinarem. Portanto, as preferências ideológicas influenciaram na hesitação vacinal especialmente quando associadas às convicções religiosas".
- A probabilidade de uma pessoa aceitar a vacinação contra Covid-19 é reduzida dado o fato dela acreditar em fake news relacionadas ao tema: "Os dados revelam que a probabilidade de uma pessoa aceitar a vacinação contra Covid-19 é reduzida dado o fato dela acreditar em fake news relacionadas à vacina. Ademais, o impacto causal de acreditar em fake news e desconfiar da segurança da vacina é grande. Acreditar em fake news e considerar a vacina como não sendo segura impacta em uma probabilidade de cerca de 70% na decisão de não se vacinar. Neste estudo, as fake news se mostraram como uma variável independente, o que significa que não é afetada diretamente por nenhuma outra variável do modelo. Deste modo, não se pode estabelecer um perfil demográfico e socioeconômico específico de indivíduos ou grupos que apresentam crença em fake news".
O artigo "Analysis of causal relations between vaccine hesitancy for COVID-19 vaccines and ideological orientations in Brazil" na íntegra pode ser acessado no sitehttps://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0264410X24004365.