De acordo com dados nacionais, 2,6 milhões de jovens já apresentam excesso de peso; famílias e escolas têm papel crucial, afirmam pediatras em entrevista ao portal LeoDias
Setembro é o mês dedicado à conscientização sobre a obesidadeinfantil – problema que já atinge níveis alarmantes no Brasil –, por meio da campanha “Setembro Laranja”, promovida pelo Departamento de Nutrição da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP).
Dados recentes do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN), analisados pela ImpulsoGov, revelam que um em cada três adolescentes de 10 a 19 anos apresenta excesso de peso. Em apenas dez anos, o índice cresceu quase 9%, somando hoje 2,6 milhões de jovens brasileiros acima do peso.
Em entrevista ao portal LeoDias, o pediatra Paulo Telles explica como os pais podem identificar sinais de que o filho pode estar desenvolvendo obesidade antes mesmo de um diagnóstico médico.
“O diagnóstico de obesidade tem que ser feito pelo pediatra, avaliando peso, altura e o índice de massa corpórea. Mas é claro que os pais conseguem ter uma boa noção se a criança está ganhando mais peso que o esperado, observando padrão da alimentação, falta de atividade física e, na prática, até a mudança de número das roupas. Mas é essencial a avaliação médica adequada, afinal, obesidade é uma doença e seu diagnóstico correto sempre deve ser feito por um profissional”, destaca.
A obesidade infantil não é apenas uma questão estética: ela aumenta significativamente o risco de doenças como diabetes, hipertensão, colesterol alto, problemas cardíacos e até AVC ainda na juventude. Segundo o levantamento, a região Sul lidera o ranking, com 37% das crianças e adolescentes com sobrepeso em 2024. Entre as capitais, São Paulo aparece em primeiro lugar, com mais de 76 mil jovens nessa condição, seguida por Rio de Janeiro e Manaus.
Saúde e realidade econômica
Muitas famílias enfrentam dificuldades financeiras e recorrem a alimentos ultraprocessados, que costumam ser mais baratos. O especialista orienta como conciliar saúde com a realidade econômica. “Este problema é muito importante. Infelizmente, uma grande parte da nossa população tem que fazer escolhas para levar à mesa o que cabe no seu bolso. Os alimentos ultraprocessadossão mais baratos por vários fatores, incluindo a produção em larga escala, o uso de ingredientes baratos que substituem ingredientes frescos e mais caros e, claro, as vantagens fiscais que beneficiam essas produções”, diz.
Entre as alternativas, ele sugere cultivar a própria comida em pequenos espaços, participar de programas sociais como a Rede Brasileira de Bancos de Alimentos, a Cozinha Solidária e a Ação de Distribuição de Alimentos, além de optar por produtos da estação, aproveitar promoções de alimentos próximos da validade, buscar descontos em mercados e estabelecer parcerias com produtores rurais locais.
Paulo Telles também chama atenção para os maiores mitos que ainda atrapalham a prevenção e o tratamento da obesidade infantil no Brasil:
- O principal é tratar a obesidade como falta de boa vontade ou sem vergonhice. A obesidade é uma doença e deve ser encarada de forma séria e adequada para que o tratamento seja efetivo”, ressalta.
- Acreditar que a criança vai emagrecer naturalmente ao crescer. Na maioria dos casos, adolescentes obesos tornam-se adultos obesos.
- Pensar que a obesidade infantil é causada apenas pela falta de atividade física. O problema é multifatorial, com influência genética, ambiental e comportamental.
- Atribuir a responsabilidade apenas aos pais ou à criança. Famílias têm papel importante, mas o ambiente escolar, a sociedade e as políticas públicas também são fundamentais.
- Achar que o pediatra sozinho resolve o problema. O tratamento exige abordagem multidisciplinar, com nutricionistas, endocrinologistas, psicólogos, profissionais de educação física e outros especialistas.
“O maior problema é que esses mitos dificultam o reconhecimento precoce e o manejo eficaz da obesidade infantil”, reforça Telles.
Bullying e baixa autoestima
A pediatra Anna Bohn acrescenta que o impacto emocional é uma consequência imediata do excesso de peso. “É importante que as escolas tenham núcleos de combate ao bullying, com profissionais capacitados, como psicólogos, para fornecer tanto o atendimento inicial quanto o seguimento”, afirma a médica, ao portal LeoDias.
Ela reforça a necessidade de apoio familiar. “A família deve buscar acompanhamento psicológico individual e até mesmo familiar para lidar com as agressões e auxiliar o indivíduo a se fortalecer, elaborar e atuar. Todos os envolvidos no cuidado do adolescente — familiares, escola e profissionais psicoterápicos — devem formar uma rede de apoio para ajudar quem passa por tais agressões”, emenda.
Para Anna, escolas podem adotar medidas simples e de grande impacto: oferecer lanches saudáveis nas cantinas, promover momentos diários de movimento, incluir educação alimentar lúdica (com hortas, oficinas de culinária e atividades sobre a importância de frutas e verduras), combater o bullying relacionado ao corpo, valorizar a diversidade corporal e criar parcerias com famílias e produtores locais.
Uso de medicamentos
Em alguns casos, o tratamento também pode incluir medicamentos. “Vemos cada vez mais precocemente crianças e jovens com quadro de obesidade grave. Isso leva também a doenças metabólicas associadas, com riscos imediatos à saúde (pressão alta, alterações hormonais, apneia do sono, diabetes tipo 2). Neste cenário, os riscos da obesidade se tornam mais urgentes e as medidas medicamentosas podem ser usadas como aliadas. Quando bem indicado, o medicamento pode ajudar a controlar o peso e reduzir complicações, mas deve ser parte de um tratamento integrado, nunca uma solução isolada”, conclui Anna Bohn.