Com a missão de garantir a promulgação da reforma tributária ainda neste ano, deputados avaliam fatiar o texto aprovado na quarta-feira (8) pelos senadores. A manobra divide opiniões dentro do Congresso e da própria equipe do governo, mas aparece como uma alternativa diante da previsão de novas mudanças a serem feitas na Câmara e do tempo curto para cumprir o prazo estipulado.

A aprovação da reforma tributária ainda em 2023 é pretensão tanto do governo federal quanto dos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). No entanto, a matéria só deve começar a ser rediscutida pelos deputados na semana de 20 de novembro — após o feriado de Proclamação da República, em 15 de novembro — e dividirá espaço com as análises do projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e dos vetos durante sessão do Congresso agendada para 23 de novembro.

Mesmo com as restrições, Lira prevê a promulgação ainda neste mês, mas, para isso, considera fatiar a proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma. "A Câmara terá que se pronunciar sobre o que o Senado fez. Isso é um fato. O que não impede que, se 90% do texto for comum, esses 90% sejam promulgados, e a gente fica a decidir se esses 10%, se a Câmara aceita", disse o presidente, na terça (6).

Após a fala de Lira, o relator da proposta no Senado, senador Eduardo Braga (MDB-AM), sinalizou ser contra o fatiamento, ao avaliar que a medida "vai depender muito do tamanho do consenso que acontecer, sob pena de termos uma inviabilidade da aplicação do sistema tributário".

Por ser uma PEC, o texto deve ficar indo e voltando de uma Casa a outra até que haja consenso. O fatiamento, portanto, serve como uma estratégia para validar apenas a parte em comum entre o Senado e a Câmara.

A análise do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é que não será necessário o fatiamento, mas ele alertou para o fato de que, se isso ocorrer, é preciso manter a "espinhal dorsal" da proposta, que seria a simplificação da tributação brasileira, não cumulatividade de impostos, além da desoneração do investimento, da exportação e da cesta básica.


"Eu não acredito que vai precisar", disse Haddad após a aprovação da matéria no Senado. No entanto, alegou que a Câmara tem autonomia para mudar o texto. "Aquilo que for comum às duas Casas pode ser promulgado. Aquilo que não for comum fica para outra oportunidade", admitiu.


Já o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, avaliou que o mecanismo "é uma hipótese que sempre existiu, já foi feita em outros momentos".


"Estávamos muito dedicados a concluir a votação da reforma tributária no Senado", disse Padilha, ao afirmar que as alterações feitas pelos senadores "foram as necessárias" para garantir votos suficientes para a aprovação.


A articulação de Padilha está voltada agora para a Câmara e será feita em conjunto com o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), relator da matéria na Casa. Ribeiro admitiu a possibilidade de fatiamento, mas disse que é necessário, primeiro, fazer uma avaliação do texto aprovado no Senado.


Líderes ligados ao centrão com quem a reportagem conversou não descartam a possibilidade de fatiamento, mas ponderam a necessidade de estudar esse cenário. A avaliação é que deixar parte importante da tributária para uma análise posterior pode prejudicar a tramitação de outras pautas com interesses voltados às eleições municipais, que ocorrem em 2024.


Para garantir que não haja conflito nas prioridades, o grupo deve atuar para aprovar todos os pontos relevantes da PEC ainda neste ano.


A PEC é uma proposição legislativa que altera a Constituição Federal e não precisa de sanção do presidente da República. A reforma tributária é discutida no Brasil há pelo menos 40 anos.


Ponto a ponto

• A reforma simplifica a tributação brasileira, transformando cinco impostos (ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins) em três: Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e Imposto Seletivo (IS).


• As novas alíquotas serão totalmente implementadas apenas em 2033.


• O texto prevê uma trava para a carga tributária, além de um regime diferenciado para profissionais liberais, como advogados, engenheiros, contadores e médicos.


• A proposta destina R$ 60 bilhões até 2043 para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR). Pelo texto, 70% do FNDR seria repartido entre estados com menor renda per capita, e os outros 30%, entre os mais populosos.


• A reforma prevê ainda instrumentos de combate à desigualdade de desenvolvimento regional e econômico entre os estados. Um desses pontos — que gerou divergências entre os parlamentares — é a prorrogação de benefícios fiscais do IPI para empresas automobilísticas no Norte, no Nordeste e no Centro-Oeste até dezembro de 2032.


• O relator, Eduardo Braga (MDB-AM), retomou o trecho que foi retirado na Câmara, mas incluiu a restrição do benefício apenas para automóveis "verdes", como veículos elétricos ou movidos a biocombustíveis. O benefício, estabelecido na forma de crédito presumido da CBS, será reduzido em 20% ao ano entre 2029 e 2032.


• Ao buscar o apoio do Centro-Oeste, Braga propôs prorrogar até 2043 a extinção de privilégios fiscais a estados dessa região, para compensar possíveis perdas de arrecadação. Na prática, essas unidades federativas estariam autorizadas a cobrar tributos sobre exportações de grãos, produtos primários e semielaborados até 2043.


• Também houve alteração em relação ao regime automotivo do Nordeste e do Centro-Oeste, com "compromisso de investimento para além do prazo dos incentivos fiscais, de 2032". Em relação à compra de automóveis, Braga também acatou uma emenda que mantém a taxa de isenção de tributos para pessoas com deficiência ou portadoras do espectro autista e para taxistas.


• Outra mudança acatada foi a inclusão de cashback (dinheiro de volta) na compra de botijão de gás. A medida beneficia famílias de baixa renda.


• Um dos pilares da reforma é a tributação apenas no local de consumo, e não mais no local de produção e de consumo, como ocorre atualmente.


• O Imposto Seletivo (IS), que substituirá o IPI sobre armas e munições (exceto para a administração pública), por exemplo, será obrigatório. A taxa será usada como desincentivo à compra de produtos e serviços prejudiciais à segurança pública e à saúde, como bebidas e cigarros, e à "sustentabilidade ambiental e redução das emissões de carbono".



Bruna Lima, do R7, em Brasília, e Deborah Hana Cardoso, da Record

Foto: Roque Sá/Agência Senado

Deixe seu Comentário