O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu, na
semana passada, a definição dos parâmetros a serem observados para a concessão
judicial de medicamentos registrados na Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa), mas não incorporados ao Sistema Único de Saúde (SUS),
independentemente do custo.
O mérito do Recurso Extraordinário (RE) 566471, com
repercussão geral (Tema 6), foi julgado em março de 2020. A tese, proposta em
um voto conjunto dos ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, foi levada
ao Plenário Virtual, em julgamento encerrado em 20/9.
Critérios
O Tribunal definiu, como regra geral, que, se o medicamento
registrado na Anvisa não constar das listas do SUS (Rename, Resme e Remune),
independentemente do custo, o juiz só pode determinar seu fornecimento
excepcionalmente. Nesse caso, o autor da ação judicial deve comprovar, entre
outros requisitos, que não tem recursos para comprar o medicamento, que ele não
pode ser substituído por outro da lista do SUS, que sua eficácia está baseada
em evidências e que seu uso é imprescindível para o tratamento.
Se todos esses requisitos forem cumpridos, caberá ao
Judiciário, no caso de deferimento judicial do medicamento, oficiar aos órgãos
competentes para avaliarem a possibilidade de sua incorporação no âmbito do
SUS.
Premissas
A tese construída no voto conjunto se baseia em três
premissas: a escassez de recursos e de eficiência das políticas públicas, a
igualdade de acesso à saúde e o respeito à expertise técnica e à medicina
baseada em evidências.
Segundo os ministros, os recursos públicos são limitados, e
a judicialização excessiva pode comprometer todo o sistema de saúde. A
concessão de medicamentos por decisão judicial beneficia indivíduos, mas produz
efeitos que prejudicam a maioria da população que depende do SUS. Por isso, é
necessário estabelecer políticas e parâmetros aplicáveis a todas as pessoas.
De acordo com o voto, a concessão judicial de medicamentos
deve estar apoiada em avaliações técnicas à luz da medicina baseada em
evidências. Afinal, os órgãos técnicos é que têm conhecimentos especializados
para tomar decisões sobre a eficácia, a segurança e a relação custo-efetividade
de um medicamento.
Ficou vencido o ministro Marco Aurélio (aposentado).
Tese
A tese de repercussão geral fixada foi a seguinte:
1 – A ausência de inclusão de medicamento nas listas de
dispensação do Sistema Único de Saúde – SUS (RENAME, RESME, REMUME, entre
outras) impede, como regra geral, o fornecimento do fármaco por decisão
judicial, independentemente do custo.
2 – É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de
medicamento registrado na ANVISA, mas não incorporado às listas de dispensação
do Sistema Único de Saúde, desde que preenchidos, cumulativamente, os seguintes
requisitos, cujo ônus probatório incumbe ao autor da ação:
(a) negativa de fornecimento do medicamento na via
administrativa, nos termos do item ‘4’ do Tema 1.234 da repercussão geral;
(b) ilegalidade do ato de não incorporação do medicamento
pela Conitec, ausência de pedido de incorporação ou da mora na sua apreciação,
tendo em vista os prazos e critérios previstos nos artigos 19-Q e 19-R da Lei
nº 8.080/1990 e no Decreto nº 7.646/2011;
(c) impossibilidade de substituição por outro medicamento
constante das listas do SUS e dos protocolos clínicos e diretrizes
terapêuticas;
(d) comprovação, à luz da medicina baseada em evidências, da
eficácia, acurácia, efetividade e segurança do fármaco, necessariamente
respaldadas por evidências científicas de alto nível, ou seja, unicamente
ensaios clínicos randomizados e revisão sistemática ou meta-análise;
(e) imprescindibilidade clínica do tratamento, comprovada
mediante laudo médico fundamentado, descrevendo inclusive qual o tratamento já
realizado; e
(f) incapacidade financeira de arcar com o custeio do
medicamento.
3 – Sob pena de nulidade da decisão judicial, nos termos do
artigo 489, § 1º, incisos V e VI, e artigo 927, inciso III, § 1º, ambos do
Código de Processo Civil, o Poder Judiciário, ao apreciar pedido de concessão
de medicamentos não incorporados, deverá obrigatoriamente:
(a) analisar o ato administrativo comissivo ou omissivo de
não incorporação pela Conitec ou da negativa de fornecimento da via
administrativa, à luz das circunstâncias do caso concreto e da legislação de
regência, especialmente a política pública do SUS, não sendo possível a
incursão no mérito do ato administrativo;
(b) aferir a presença dos requisitos de dispensação do
medicamento, previstos no item 2, a partir da prévia consulta ao Núcleo de
Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJUS), sempre que disponível na respectiva
jurisdição, ou a entes ou pessoas com expertise técnica na área, não podendo
fundamentar a sua decisão unicamente em prescrição, relatório ou laudo médico
juntado aos autos pelo autor da ação; e
(c) no caso de deferimento judicial do fármaco, oficiar aos
órgãos competentes para avaliarem a possibilidade de sua incorporação no âmbito
do SUS.